top of page

“O ambiente tem uma necessidade muito grande de trabalhadores. E isto é para durar”

Visão Verde

9/06/2023

Entre energias renováveis, economia circular e projetos relacionados com a biodiversidade, a aposta de Portugal na sustentabilidade está a fazer as empresas da área do ambiente crescerem muito acima da média, dizem Nuno Ferreira Matos e Margarida Fonseca, do grupo Matos, Fonseca & Associados. Mas é difícil encontrar trabalhadores qualificados, sobretudo biólogos, geógrafos e engenheiros do ambiente

Depois de um crescimento na faturação de 35% de 2021 para 2022 (de €1,4 milhões para €2,2 milhões), Nuno e Margarida, fundadores da empresa de consultoria ambiental Matos, Fonseca & Associados (MF&A), decidiram ser ambiciosos e apontaram para um aumento de 25% para 2023. Atingiram o objetivo só com os novos projetos angariados nos primeiros quatro meses deste ano.


“Estamos a ser todos os dias solicitados para a apresentação de propostas, a ser procurados por empresas de Espanha, Inglaterra, Alemanha… Há uma enorme procura de investimento em renováveis no nosso país”, diz Nuno Matos. 


O ambiente é um setor de presente e de futuro. O crescimento dos negócios ligados à sustentabilidade é sólido e tem sido impulsionado cada vez mais, com os planos “verdes” da União Europeia. “A transição energética está a ser acelerada. A UE deu instruções claras nesse sentido, avançando com metas muito mais ambiciosas do que as já tinha com o Pacto Ecológico, através do REPowerEU. O corte do gás, devido à guerra, ajudou a fazer essa aceleração, pondo pressão sobre os governos. Portugal está a saber aproveitar essa onda.”


As renováveis têm constituído a maior fatia do investimento no setor do ambiente. Há, no entanto, vida para lá da energia, diz Margarida Fonseca.”O nosso crescimento refletiu-se sobretudo nas energias renováveis, o que traduz o que se está a passar no País em termos de transição energética, mas não só. As políticas vão muito no caminho da sustentabilidade, alterações climáticas e economia circular.”





Nuno Matos lembra que as energias renováveis acabam por fomentar outras áreas. “À boleia das renováveis, após a emissão das declarações de impacto ambiental, resultam serviços na área da sustentabilidade, com muito deste trabalho a ser feito ao nível da biodiversidade.”


Muitas vezes, estes serviços são exigências de compensação de projetos, acrescenta. “Há um foco grande nas compensações. Mas todos estes trabalhos têm uma forte componente de monitorização da flora e da avifauna, além de serviços ligados às interações paisagísticas, que trabalhamos numa perspetiva ecológica. Nomeadamente nas centrais solares, que apostam em estruturas ecológicas que conseguem melhorar as áreas de intervenção. O eucaliptal pode desaparecer e dar origem a espécies autóctones, como sobreiros e azinheiras, ou à requalificação de linhas de água, fundamentais para a circulação das espécies.”

Margarida Fonseca sublinha que os projetos vão para lá das compensações obrigatórias, com uma “criação de valor integrado, que protege o capital natural da região, através de, por exemplo, centros de interpretação ambiental ou reflorestação de áreas próximas”. Não é uma generosidade gratuita das empresas, explica. “É assim que se valorizam os projetos.”


Uma valorização que passa igualmente por compatibilizar diferentes usos do solo. Nuno dá o exemplo de um apicultor que se queixava de assaltos às colmeias e passou a guardá-las dentro do espaço vedado de um parque solar. “Os negócios podem ser alavancados. Em Espanha, há projetos de trufas e cogumelos debaixo dos painéis. Há uma grande ocupação do solo, pelo que devemos tentar compatibilizá-lo com outros usos nestas áreas.”


Faltam trabalhadores

Os investimentos em projetos relacionados com o ambiente tem levado a uma necessidade crescente de trabalhadores, realça Nuno Matos. “Na MF&A, teve um enorme reflexo ao nível do crescimento do número de colaboradores na empresa, passando de 20 para quase 30 pessoas. E estamos a sentir a necessidade de, a curto prazo, aumentar para 35. É desafiante: sentimos dificuldades em identificar recursos humanos, acima de tudo técnicos licenciados, engenheiros do ambiente, e especialistas em geografia e em biologia. Quanto mais qualificados são os quadros que procuramos, mais difícil é encontrá-los.”


O gestor sugere às gerações mais novas, que estão agora a decidir que curso universitário escolher, que olhem para este setor. “É uma ótima opção para os miúdos que estão a entrar na faculdade. O ambiente, a conservação da natureza e a biologia têm uma necessidade muito grande de trabalhadores. E isto é para durar. O caminho não tem retorno. A necessidade de as coisas serem bem feitas implica ter gente boa a entrar no mercado. Olhem para esta área de trabalho como uma área com imenso potencial.”


Além do que já existe, há coisas novas a surgir que apontam para um futuro promissor no setor, nomeadamente ao nível da compensação de carbono (projetos que ajudam a sequestrar carbono, o que, na sua forma mais simples, passa pela plantação e manutenção de árvores. “O carbon offsetting é um caminho em Portugal. Já existem alguns projetos com piada, mas pode ser muito mais desenvolvido, se a indústria se consciencializar que esta é a direção certa. É mais fácil ir para fora, porque é mais barato, mas no nosso país temos capacidade e áreas importantes onde este conceito pode ser aplicado.”

O melhor exemplo é a prevenção de incêndios. “Sabemos que não é com bombeiros que se travam incêndios. É com a modificação das paisagens, dos espaços rurais. Portugal apostou nos planos de transformação da paisagem. Estes offsets podem ser uma maneira de potenciar a qualificação de espaços naturais, de reflorestação.”


Outra aposta que tem sido cada vez mais falada é o pagamento de serviços de ecossistema – pagar aos proprietários para manterem uma floresta cuidada, que beneficie a biodiversidade, a água, o solo e, no limite, todos nós. Esse é um debate mais atrasado do que a compensação de carbono, mas é uma questão de tempo até lá chegarmos, diz Margarida Fonseca. “O pagamento dos serviços de ecossistema ainda está numa fase académica. Transformar valores naturais em dinheiro é sempre complicado. Mas é desafiante e tem muito potencial.”

bottom of page